Será que a coisa é só minha ou você também tem a mania de achar que aprendeu com o erro de hoje e amanhã você será, automaticamente, uma pessoa melhor? “Ah, tá! Entendi. Foi mal...”. E amanhã lá vem o desengano novamente. Coisa chata. Errar é humano, insistir nele, é burrice. Já dizem os sábios povos do mundo. Aposto que esse ditado tem tradução em tudo quanto é canto.
Minhas horas de almoço eu faço de tênis. Sim, porque é o momento mais corrido do meu dia, sem a menor dúvida. Deixo minha mesa de trabalho e assumo o papel de “mothern”. Começo o almoço já terminando e cumprindo a sequência da higiene.
“Filhooo, vem escovar os dentes.”
“Já vou mãe.”
E demora.
“Marcelo, eu já saí da escola há muito tempo e não levo mais ocorrência se chegar atrasada (não, hein?!), mas você vai perder o primeiro horário, ficar plantado no pátio esperando seus colegas...”
Isso é (uma amostra do) que eu falo. Mas cada vez mais, percebo que ele ouve assim:
“Mar... blá, blá, blá, blá...”
Sabe a professora do Charlie Brown? Tipo isso. E hoje, enquanto eu ia falando o discurso do “eu já saí da escola” e caminhando em direção ao lavabo, ouvi que ele vinha atrás de mim, mas emitia um som diferente. De repente o som parou. E eu repeti mais um pouquinho (tá bom, tô ficando chata meeessssmo) e comecei a escovar os meus dentes. Eis que ouço “pá, bum, crash!”. Já saí do banheiro com a calma que me é peculiar. Estranho, não penso se ele se machucou, já penso logo na arte. E ANTES de repreender, meu cérebro me acalma e me lembra: “Filha, será que o menino se machucou?”. É incrível, milésimos de segundos fazem uma diferença... Aí eu pergunto com calma: “O que houve Marcelo?”. E ele vem, sempre, com muita criatividade: “Mãe, eu tava só, devagarzinho, e sem querer, e eu não sabia, foi só um pouquinho, quase que eu...”. Mas nessa hora, eu escuto assim: "blá, blá, blá...". E já começo a procurar os danos. Bom, rapidamente dá pra ver que a criança está bem, pois tem condições explícitas de inventar um monte de besteiras. We have the winner! A raiva encontra seu espaço e CRESCE!
Nunca sei exatamente como fico e como é que se faz pra não ficar. Mas as reações do pequeno forçam de novo aquele exercício de milésimos de segundos. “Quero torcer o seu pescoço / Mas é tão lindo, tão pequenininho / Concentra! / Já falei mais de mil vezes que isso pode dar errado / Ele tá chorando! Ah, não! Detesto ver meu filho chorar... / E você insiste em fazer o que eu digo que é errado... / Nossa, ele engoliu a lágrima e o olho está roxo de tanta força para segurá-las! / Desculpa não conserta mesa e nem junta braço. Vem cá, vamos conversar. Mas antes temos que escovar os dentes, colocar o tênis, pentear o cabelo e ir pra escola. Senão, você vai chegar atrasado e quem vai ficar esperando o segundo horário é você, porque eu já saí da escola...”
Eu, professora do Charlie Brown. Essa é boa...